Lendo alguns livros, lembrando de muitas histórias bíblicas, me dei conta de que nossas almas têm calabouços.
Lugares escuros, desprovidos de estética, ásperos, frios e cheios de ecos.
Eu vivo muitas vezes a tentativa de derrubar meu próprio calabouço, de arquitetar algo bonito, pleno, agradável, que me remeta alegria, e a respostas e virtudes que talvez nunca cheguem. E essa tentativa de exterminar esse lugar de frio e ruídos é sempre vã e frustrada.
Ser realista acerca de mim mesma dói, não poucas vezes, ver que ainda sou tomada por sentimentos estúpidos, depois de ter estudado, ensinado e aconselhado sobre eles, é um certificado de incompetência emocional que pesa.
Calabouço é um lugar incômodo da alma. A escuridão da falta de controle sobre as situações é desesperadora. Melhor seria construir janelas enormes que iluminassem cada canto oculto. Iluminar de tal forma que eu poderia decorar cada centímetro quadrado dessa alma, garantindo assim que os imprevistos não viessem, que a decepção com os outros não tivesse sombra para acontecer, que nenhuma rachadura ficasse sem reparo, em vez de ouvir os gritos de fora sobre as incoerências que a vida tem.
Não gosto das minhas insatisfações estéticas latentes, das comparações que criam militâncias internas dentro de mim. Detesto minhas justificativas secretas, e julgo burras minhas críticas sem importância, pois sei o quão estupida é essa busca de valor em coisas que já repeti mil vezes para mim mesma que não me dão valor.
Não gosto das paredes ásperas dos meus pecados, do mofo que eles criam nas minhas repetidas negações de sua existência. Seria bem melhor um branco gelo, liso, uniforme, de quem passou massa corrida em tudo para quem vê, impressionando com tamanha constância e organização.
Meu calabouço é frio, bem frio, e eu não gosto de frio. O frio não deixa secar as coisas molhadas pela minha melancolia aguda, e coisas choradas, penduradas, nunca ficam secas para serem guardadas. Melhor seria o sol entrando, tirando esse cheiro de roupa molhada, que me constrange, porque acho que todo mundo sente o cheiro, e cochicha sobre o porquê dele.
Não gosto dos ecos daquele lugar também. Tudo se repete, repete, e falta algo que lhe ponha fim. Escuto algumas vozes de fora, mas os ecos das palavras que sem querer um dia falei, ainda se repetem no espaço vazio que resta no vacilar da minha fé.
Não gosto desse escuro, dessa falta de luz em cantos conhecidos da minha vida, de onde espero que, a qualquer momento, saia algo para me assustar. Lugares cheios de teias, e odeio tocar em teias, são leves e pegajosas, e quando menos se espera tem uma aranha no meio dela. Queria iluminar de vez esses lugares, tirar as possibilidades de mágoas que os afetos são capazes de trazer, sem o menor aviso.
E diante de tudo que eu não gosto desse calabouço dentro de mim, me amedronto, e tenho a tendência de fechá-lo de vez, jogar a chave fora e me libertar dessas coisas que me fazem girar a cabeça. Mas amo aquele calabouço também.
Amo meus afetos que me assustam e magoam, amo a possibilidade de ver por momentos virtudes geradas da minha dor, amo saber do perdão de Deus em meio a imundícia do meu pecado, amo palavras que ecoam, mesmo que no meio delas estejam as minhas que eu gostaria de não ter dito e as de outros que eu não gostaria de ter escutado.
Tenho certo carinho por esse frio da alma, porque quando me sinto aquecida no meio dele, sei que há ali um abraço carinhoso do meu Deus em meio a tudo isso. Há uma possibilidade de alguém que seja capaz de entrar e entender as paredes mofadas, o frio intenso, a falta de beleza e as vozes que eu mesma não entendo as vezes.
Ressignificar meu calabouço se tornou necessário diante da ambivalência dos meus sentimentos por ele. Não quero abandonar tudo, então preciso arrumar o que é possível, colocar em porta-retratos minhas histórias, reconhecendo suas marcas e valores, pendurar alguns quadros, como fiz na sala, com versículos que podem me ajudar a lidar com o que vem do nada.
Penso em colocar alguns pisca-pisca, eu os adoro. Cria uma claridade aconchegante e alegre, e me ajuda a ver algumas coisas, mesmo sem exatidão, e quem entra, acaba por se enrolar entre as luzes e as risadas são mais fáceis de saírem sem muitos avisos.
O que sei, estudo e repasso, continuará a me constranger, mas acho saudável essa noção de incapacidade. Olhar para Deus no meio dessa escuridão, e ver Ele pacientemente diante da minha noção de ajudar mais aos outros do que a mim mesma, não dói, só traz uma vergonha de rosar o rosto e balançar os ombros. A “vida que segue”, como diria meu amado marido.
Há um hino que amo, que fala “Sou feliz com Jesus…”, sua tradução literal, descobri posteriormente, seria “Está tudo bem com a minha alma…”. O amei mais ainda, tenho um apego pela minha alma, ela é a parte mais esperançosa de mim, mesmo com seu calabouço. Ali eu consigo sentir as maiores descobertas sobre a vida e seu significado, ali eu pude dar morada a verdade do Cristianismo, e dali saem as melhores coisas de mim.
Meu calabouço é hoje mais bonito, mas continua um calabouço. A graça tem feito dele um lugar melhor, o Espírito Santo tem entrado nele com mais frequência, e vez ou outra resolve jogar alguma quinquilharia fora, me dói, mas sempre melhora. Ser realista comigo mesma em meu íntimo, é a possibilidade de manter bem a minha Alma, até o dia que tudo em plenitude será restaurado.
“Temos esta esperança como âncora da alma…” (Hb. 6.19)
*Correções Textuais por Keise Cristine Luz:
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Belíssimo texto!
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Que lindo…cada texto seu me enche de sentimentos.. agradáveis e perturbadores, me descortina e me constrange, e me descobre com suas palavras reveladoras de quem somos,fomos, e seremos .. Há BELEZA em tudo ,se estivermos enraizados nele.. tudo se torna valoroso,
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Amém! Andriva, que encorajador ler isso. Obrigada!
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